Móretar
Móretar
Poder Humilde
Saga Universo em Órbita
Vol. IV
Ciclo I
Eder B. Jr.
Literunico
A espada mais forte
A magia mais intensa
Entre dúvidas e receios
Prazeres e tormentos
A dor de um corte
De angústia tão imensa
Menos fins e mais os meios
Deveres e lamentos
O poder da sorte
O mistério e a desavença
Desejos e devaneios
Disputa de pensamentos
Capítulo 1
Uma promessa
Relâmpagos cruzavam incessantemente o céu, seguidos de trovões estrondosos. Cada rajada de eletricidade acompanhava quase em sincronia o movimento das espadas que se chocavam. A noite era densa, com uma garoa fina, e as folhas das árvores eram guiadas por um vento desigual, imitando os seres que batalhavam ali: entre fugas e quedas, cortes e mortes. No entanto, um confronto se destacava sob a luz inconstante do luar que se escondia entre as nuvens. As técnicas eram perfeitas dos dois lados, apesar de diferentes. Os movimentos das pernas de um contracenavam diretamente com os dos braços do outro. O primeiro empunhava duas espadas curtas, enquanto o segundo brandia uma espada longa. Velocidade e força. Leveza e fúria. Na dança da luta, no impacto de cada golpe, eles gradualmente se afastaram do ponto onde começaram o embate, sob as copas das árvores, atravessando zonas de lama sem vantagem ou desvantagem para nenhum deles, até chegarem a uma clareira, um grande trecho descoberto de vegetação com apenas uma grama rasa. A chuva, que havia se intensificado, agora quase cessara. A luz da lua refletia a calvície de um deles, e não havia dúvida: era o General Hantake, líder supremo de batalha do exército Corace. Seu adversário, Móretar, buscava mais do que a defesa de seu povo naquela batalha; buscava vingança pela morte de sua família, dizimada por um ataque impiedoso do General. Mas os outros ainda não haviam reconhecido quem estava ali, até aquele momento. Agora, devido ao impacto causado pelos golpes, que chegavam a criar rajadas de vento, semelhantes a golpes de energia estática, aqueles que estavam por perto desistiram de seus confrontos para observar a cena central. Blocos de inimigos se dividiram e aos poucos criaram lados, delimitando o confronto. Hantake era um gigante, enquanto Móretar era pequeno e franzino, e seus lindos e longos cabelos pareciam flutuar como ele próprio quando saltava ou desviava.
Inesperadamente, o General pegou impulso e desferiu um golpe que, mesmo defendido por Móretar, o jogou para longe. Com excessiva confiança, Hantake começou a movimentar as mãos para lançar um feitiço Corace. Móretar, assim como Hantake, era uma fada de grau três e conhecia aquela técnica. Como todo feitiço de fadas, exigia um alto grau de concentração, consumia muita energia e levava algum tempo para ser executado. Rapidamente, Móretar se apoiou com a lateral de uma das mãos no chão, tocou com a espada do outro lado da grama em uma pedra apenas para recuperar o equilíbrio e ganhar impulso, e saltou sobre o inimigo. O gigante utilizou um dos pés para chutar Móretar de volta, dando continuidade ao feitiço com as mãos. A apreensão começou a rondar ambos os lados das tropas, que não sabiam se deveriam intervir. Móretar parou por um momento e, em seguida, começou a correr. O General Hantake começou a rir e correu atrás dele, assim como as duas tropas, incrédulas, que voltaram a se confrontar como em um jogo de provocação e resposta, sem deixar de atacar e seguir, para ver o desfecho do embate.
Quando as mãos de Hantake se levantaram para lançar o feitiço de congelamento dos movimentos, as de Móretar também se ergueram, lançando um feitiço de manipulação de água. Ele estava sobre uma plataforma acima de um riacho e fez a água se levantar à sua frente, criando espelhos que refletiram e multiplicaram o feitiço, devolvendo-o para todo o exército adversário. Após a queda da água, de volta para seu leito, todos ficaram congelados diante de Móretar, que clamou pelos demais guerreiros Salvitares que se aproximavam, incapazes de acreditar no que viam. Assumindo o papel de líder, que tradicionalmente no povo Salvitar só surge no decorrer de uma guerra e não antes, ele ordenou com um grito que todos matassem os Coraces. Os golpes de espadas simultâneos desencadearam a vitória esmagadora de seu povo, que havia entrado naquela guerra com a expectativa de ser dizimado com honra.
Os urros de comemoração vieram logo em seguida ao som das cabeças sendo arrancadas pelas espadas. Os guerreiros Salvitares recolhiam dos corpos dos inimigos itens, relíquias e armas, preparando-se para retornar ao povoado e iniciarem seus cânticos tradicionais. Móretar permaneceu imóvel. Observava seu povo seguir o caminho de casa e decidiu seguir na direção oposta. Não sabia ao certo o motivo. Talvez não desejasse a glória e a festividade. Ele buscava vingança e ela fora concretizada, mas não trouxera alegria, nem sua família de volta. Sentia-se aliviado pela paz temporária de seu povo, mas não se considerava um líder. Seu destino parecia estar em algum outro lugar. Informou aos que o chamavam que não voltaria. As tropas aceitaram sua decisão, porém não sem entoarem uma nova cantiga, criada ali naquele momento, que contava a história da continuidade de seu povo, salvo por um pequeno herói improvável.
Móretar seguiu o caminho pela floresta sem objetivos claros, sem um destino em mente, rumo ao desconhecido. Entre pesca e caça, poupando recursos e energia, passou os dias pensando em desistir do que nem sabia que estava fazendo e voltar para o leste, voltar para casa e assumir o papel de vitorioso do qual abriu mão.
Em sua jornada, até então, não tinha encontrado ninguém, nem fada, nem elfo, por isso ficou muito surpreso quando percebeu alguém a beira de um rio. Decidiu não cruzar o caminho daquela pessoa, mas essa pessoa tomou a decisão contrária. Na verdade, parecia que esperava por Móretar. Sem se virar para ele, já tendo percebido sua presença, o homem começou a pronunciar palavras que não faziam sentido. Elas eram de seu idioma, mas não diziam nada. Móretar se aproximou, perguntou o que ele dizia, se estava bem. Notou que se tratava de um homem bem idoso, o que não era nada comum nos reinos próximos. Na verdade, no mundo todo, não era comum encontrar pessoas mais velhas. Um idoso numa densa floresta não povoada, parecia algo extremamente absurdo. Chegou a acreditar que podia ser uma alucinação, o que também não fazia sentido, já que nunca, mesmo nas piores condições que ele já tinha enfrentado em sua vida, muito piores do que estar sozinho numa floresta, ele jamais havia tido algum tipo de alucinação, algo que também era extremamente raro em fadas com poderes.
— Você não vai entender muita coisa, mas direto vou ser, sua irmã está viva ainda! — Aquele senhor falou, deixando Móretar incrédulo.
— Como você sabe disso? Como ousa falar bobagens assim? — Móretar respondeu ainda confuso, mas acreditando que aquilo podia ser alguma armadilha, algum truque.
— Muitas perguntas que não posso dar respostas. Sua irmã não foi morta, um sequestro aconteceu, não pelos inimigos que conhece, mas por quem acredita serem amigos — continuava o ancião.
De repente, um relâmpago cortou o céu e parecia tê-lo atingido. Na verdade, o lampejo de luz abriu algo que parecia um portal na frente dele.
— Algo impossível aconteceu, queria dar mais detalhes, mas preciso ir. Tentarei voltar. Boa sorte!
Móretar viu o velho pular em direção daquele lampejo de luz e sem pensar muito bem, saltou, agarrando a perna do idoso no ar e com ele atravessou o portal.
Por um momento era como se estivesse sendo massacrado por apedrejamento. Seu corpo sofria pressões de fora pra dentro e de dentro pra fora, ele não conseguia se mexer. Até que se sentiu completamente entorpecido. Conseguia ver alguns flashes de imagens. Viajava pelo espaço, flutuava por entre luzes de estrelas coloridas em alta velocidade. Tudo ficava escuro, breu total, depois luz intensa. E, então, nenhum dos seus sentidos mais existia.
Capítulo 2
Os Doze do Éden
— Apagamos a memória dele, o devolvemos pro seu planeta e pronto! — Móretar conseguia ouvir algumas vozes. Aquela em específico parecia feminina e forte. Ele sentia que estava com os olhos abertos, mas não enxergava, queria falar, mas não conseguia. Só podia escutar. O som das vozes era estranho, às vezes parecia que falavam rápido demais, outras vezes muito lento, mas entendia o que falavam.
— Não é tão simples assim, Dafa, não sabemos como ele sobreviveu, nem se conseguiria resistir a um retorno — outra voz, essa parecendo masculina, mas ainda suave, respondeu.
— Eu sabia que essa sua ideia de interferir em um mundo, uma hora ou outra iria acabar mal. Nós não fomos feitos para aparecer para os outros assim. Eu sempre disse que se nós e apenas nós estamos nesse mundo e podemos nos teletransportar e se nós e apenas nós podemos ficar invisíveis para os outros seres, existia um motivo pra isso. — Essa era uma terceira voz, também masculina, parecendo estressado e ranzinza.
— E qual é esse motivo, Hagar? Quantas centenas de milênios nós já vivemos? Alguém apareceu aqui com respostas? Quantas vezes você caçou um Deus? Quantos falsos deuses? Quantos falsos prometidos? Quantas falsas profecias? — Agora podia reconhecer essa voz, era a voz do idoso a quem agarrou antes de entrar naquele portal.
Sua visão começava a clarear, uma luz muito forte brilhava, ele conseguia piscar, começava a sentir dor, os olhos ardiam. Os braços começaram a formigar, assim como as pernas, em seguida.
— Aparentemente ele está recuperando os sentidos. Não sei porque vocês não usaram alguma magia de cura. — Uma voz imponente soou como um trovão.
— Eu não entendo como alguns de vocês podem ter vivido tanto e serem tão burros — dizia, inconformado, quem ele entendeu ser Hagar, pelo que estava acompanhando da conversa.
— Essa é a primeira vez que um mortal entra num portal. Não sabemos os efeitos que a magia pode ter em alguém que nunca morreu e passou por uma viagem universal tão distante. Que tal entender primeiro a situação antes de sair usando poderes desnecessariamente? A gente fica alguns anos sem se ver, nos vemos rapidamente e ainda assim ninguém muda, não é mesmo? — Uma nova voz feminina desconhecida falava em tom de deboche.
— Alguns anos pra você, Ártemis! Pra mim algumas dezenas. Mais precisamente 99 anos. Sim, meus caros, acompanhei a história de vocês e algumas outras também por 99 anos, o que me inspirou a oferecer algo mais interessante ao próximo guardião do espaço-tempo. Como vocês conseguem ser tão pouco criativos e desinteressantes? — Esse era novamente Hagar, que parecia ser o líder daquele grupo. Móretar já começava a reconhecer bem algumas vozes, mas não entendia nada o que estava acontecendo.
— Grande guardião do espaço-tempo! No seu último ano conseguiu ter alguém que morreu pela primeira vez vindo direto pra cá e em seguida alguém que embarcou num portal, sem sequer morrer — respondeu Ártemis, provocando-o. Pareciam se formar alguns times, alguns lados de opinião que se defendiam.
— Sou o guardião do espaço-tempo que irá cumprir a antiga profecia! — Agora Hagar estava mais bravo ainda. — Quem trouxe alguém vivo pra cá foi o criador de mundo, ali!
— Afinal, por que você estava conversando com esse mortal, Krakor? — Outro alguém perguntou e finalmente Móretar descobriu o nome daquele quem o trouxe para aquele lugar.
— Porque eu fiz uma promessa ao pai dele, num outro mundo... Era importante pra ele... Ele me ajudou muito, sabem como tenho coração mole... — Respondeu o idoso que começou toda aquela história para Móretar. — Ele queria reunir o rapaz e sua irmã novamente. Essas histórias de sangue, mexem comigo.
Nessa hora, Móretar saltou da cama e ficou sentado. Conseguiu balbuciar que queria saber da sua irmã. Que nada mais importava. Era o que a maioria conseguiu entender entre as palavras irmã, saber e importa.
Reparou que haviam 12 pessoas, todos parecendo bem mais velhos do que ele, vestindo espécies de armaduras estranhas e por trás deles um único rapaz bem mais novo, que dava a impressão de entender menos ainda do que estava acontecendo do que ele próprio.
— Ele acordou! O que faremos agora? — Perguntou Dafa.
— Muito fácil, perguntamos a ele o que ele prefere... — Respondeu, Hagar.
— Eu quero saber de tudo! — Móretar respondeu antes de sequer ser questionado.
— Versão resumida pra começar? Eu me chamo Nerfate. Você foi trazido pra um planeta que até então apenas 12 pessoas haviam chegado antes, — Nerfate era uma mulher alta, cabelos curtos, sua pele era de cor verde claro, olhos lilás e apesar de esbelta, parecia ter mais idade, uns 50 anos, para o padrão do que Móretar conhecia. Vestia uma roupa de couro dourada, repleta com brilho de pedras, muito colada ao corpo. Nessa hora, enquanto falava, ela olhou para Hagar, que parecia que a interromperia e se corrigiu — 13 pessoas, se contarmos com o garoto ali, recém chegado — apontou para o menino ao fundo, que claramente estava fora do padrão daquele grupo. — Você foi trazido por aquele ser ali, Sir Krakor, que nada mais é do que o criador da vida no seu planeta — respirou e antes que Móretar pudesse pensar em questionar, recomeçou:
— Todos morremos. O que menos morreu de nós doze, morreu 8 vezes. O que mais morreu, viveu mais de 100 vidas.
— 107, na verdade! — Uma outra voz completou.
— Sim, Coneli, recordista entre nós, não é? Bom... continuando... quando morremos pela primeira vez, a essência energética de nosso cérebro se teletransporta para outro planeta e recria de forma orgânica nosso corpo novamente. Nem nós sabemos como ou porque isso acontece. Também não sabemos o que determina para onde vamos. Sabemos apenas que existe uma evolução. Pela nossa experiência, esse planeta está no nível 5 dessa evolução, sendo o único planeta que conhecemos nesse nível, o único planeta em que seus habitantes conseguem criar um portal para ir e voltar a outros planetas, o único planeta em que seus habitantes têm poderes inigualáveis e nunca mais morreram, por mais que tenham tentado. Em tempos que nossa lembrança mal alcança, onde não tínhamos regras, quando descobrimos o poder da viagem via teletransporte, enviamos Sir Krakor para um planeta onde ele teve sua segunda vida. Lá ele reencontrou sua grande paixão, que ainda não tinha morrido e nos solicitou a experiência de criar uma comunidade em que eles e suas famílias pudessem viver em segurança, sem perseguições, longe dos problemas daquele mundo pouco evoluído, num mundo desabitado. E nós pela primeira e última vez, conscientemente teletransportamos essa comunidade dele, que se transformou no que você conhece hoje como planeta Key. O seu planeta!
Móretar estava concentrado em cada palavra. Parecia muita informação para ele, mas estava tentando assimilar tudo isso. Se recordava das lendas que escutava quando mais novo. Apesar de haver um grande misticismo na comunidade das fadas, com vários contos que tinham uma aura de fábulas, com lições de moral e elementos romantizados demais para sua crença, havia o mito do fundador, do primeiro Rei, mesmo com seu nome não sendo mencionado nunca.
— Isso já tem alguns milênios... — continuou Nerfate. — Utilizando uma técnica que permite a rara reprodução entre seres renascidos, Krakor deixou descendentes que tinham poderes, o povo de fadas. Seu pai, Raguelar, deveria ter sido rei, vindo, assim como você, da linhagem direta dele, mas abdicou do trono por ter sido o primeiro com poderes das sombras que não tinham a luz como base. Se exilou mas foi perseguido e brutalmente assassinado.
— Ei, não tinha como você saber di... Peraí, Nerfate, você está lendo minha mente? Que atrevimento! — Krakor interrompeu, constatando aquele fato, de uma forma que misturava indignação e um estilo cômico.
Móretar ficou pensativo. Era muita coisa para ele assimilar de uma vez. Como poderia, num planeta criado daquela forma, uma boa pessoa como seu pai ser executada?
— Sim, acreditei que não deveria ser surpresa pra você, que a comunidade pacífica, que fazia parte de uma mesma família, se espalhou por aquele mundo, se dividiu em clãs, em classes, em raças e guerrearam... Krakor em uma de suas aventuras por outros mundos, encontrou seu pai e o reconheceu como seu descendente direto. Eles lutaram juntos contra um tirano e durante a batalha ele prometeu que voltaria ao seu mundo e contaria a você que sua irmã ainda estava viva e precisava de sua ajuda... Foi um bom resumo? — A mulher estava exultante e nem tinha se importado com Krakor esbravejando. — Ah, vale lembrar que nesse encontro entre eles, nós já tínhamos criado regras, dentre as quais aparecer para pessoas na primeira vida, não era mais permitido e que para as outras, de planetas mais avançados, apenas em último caso, em pouca quantidade e o mais importante, sem afetar significativamente a vida delas!
— E o que vocês poderiam fazer para puni-lo? — Móretar ficou curioso sobre muitas coisas, mas a que botou pra fora foi a última delas.
— Não acho que haja necessidade de punição. Sir Krakor deve entender o quanto suas ações têm consequências negativas para ele próprio... Ou talvez, depois dessa, um tempo sob a supervisão do guardião do espaço-tempo pode ser necessário — respondeu outra voz feminina, essa de uma senhora que parecia bem mais velha.
— O teletransporte depende de uma pessoa que controle isso, daqui. Esse planeta nunca mais ficou desabitado. Sempre uma pessoa envia o portal para outra, mas nunca pra si mesma — explicou Nerfate.
— Bom, obrigado, mas se minha irmã precisa de ajuda, tenho que voltar logo, então, por favor... — Móretar levantava e se aprontava pra viajar, como se fosse pegar um voo num Pégaso, o principal meio de transporte de Key.
— Calma, rapaz! O tempo passa diferente aqui também. Anos são meses, dias, horas ou minutos em outros planetas. No caso do seu planeta, o tempo que esteve aqui ainda não completou o primeiro minuto em Key. — Hagar tentava segurar Móretar, que não percebia que dependia de alguém pra sair dali de verdade e tentava passar por todos em direção a algo que parecia uma porta.
Foi aí que ele começou a reparar a sua volta, como todo aquele lugar era incrível. Lembrava muito as casas de seu planeta, mas as coisas beiravam a perfeição. A cama na verdade era uma espécie de colchão flutuante que se moldava ao corpo de quem deitava. As paredes se expandiam ou diminuíam o espaço, de acordo com a ocupação dele. O que seriam móveis, decorações, literalmente se mexiam, mudavam de lugar, escureciam ou brilhavam de acordo com o que a situação indicava destaque ou ocultação.
— Minha sugestão é a de que tentemos ensinar a técnica de localização para ele. Caso ele morra retornando para Key, ele pode nos enviar um sinal e podemos ir atrás dele — essa ideia era do próprio Krakor.
— Primeiro, temos um assunto mais urgente que é a profecia — falou Hagar, olhando para o garoto do fundo. — Segundo que, para ele chegar a essa técnica precisaria aprender outras tantas e mesmo ele sendo seu descendente e tendo poderes, está na primeira vida e não temos a mínima ideia se ele pode conseguir.
— É claro que eu vou conseguir. Não tem nada que vocês venham a tentar me ensinar que eu não consiga aprender — Móretar respondeu confiante na sua habilidade em conseguir assimilar o que lhe era repassado e em suas técnicas, que ele considerava muito avançadas.
— E qual foi a última vez que algum de vocês ensinou algo pra alguém? — Perguntou a mulher que parecia a mais velha.
— Bom, somos os doze imortais do Éden. Já criamos planetas, já destruímos planetas, já viajamos pela maior parte do universo. Já dominamos todos os elementos, podemos criar matéria, podemos criar energia. Acho que somos capazes de ensinar alguma coisa pra esses rapazes — disse um dos homens que ainda não tinha falado, esse maior, mais musculoso.
— Existem alguns detalhes que devemos nos preocupar e que ainda não sabemos. O mortal de primeira vida tem necessidades biológicas essenciais, vindo para cá elas se mantêm as mesmas? Característica que ainda não sabemos também do garoto da profecia... Outra coisa, para esse treinamento, não podemos teletransportar com ele para outros planetas para usar elementos, temos que criá-los do zero aqui, o que, apesar de sermos quem somos, leva tempo, gasta energia e não garante eficácia com elementos naturais, quando ele for testar em seu mundo — ponderou uma nova participante da conversa.
— Vamos fazer assim, os mais habilidosos e rápidos com criação de elementos, Zeus, Juper, Dafa e Ártemis criem as condições próximas aos ambientes que o rapaz pode enfrentar: condições de fogo, água e vento. Krakor, Nerfate, Altrom e Bel usem suas experiências com feitiços para desenvolver ingredientes com os quais ele possa ter intimidade, mais comuns aos planetas de nível 1 e 2, que desencadeiem técnicas que possam ajudar a evoluir sua habilidade com energia. Agah reponha a energia gasta pelos outros. Coneli vigie o espaço-tempo enquanto tudo fica pronto. Vaes conte o que puder sobre o universo para ele e eu farei o mesmo com o outro jovem garoto. — Hagar dividiu a equipe sendo a palavra final. Em alguns momentos parecia que era realmente necessário que alguém tomasse as decisões após uma justa troca de opiniões e avaliações sobre algo. Hagar tinha o perfil de um líder. Todos, então, tomaram seus respectivos caminhos, aparentemente empolgados. Uma missão entre eles, em conjunto, parece que não acontecia há algumas Eras.
Capítulo 3
Uma Convidada Sensual
Aquele que parecia ser Vaes se aproximou de Móretar.
— Acho que temos um pouco sobre o que conversar nesse meio tempo — ele aproximou-se de Móretar e continuou andando em direção ao que parecia ser a saída, por onde os outros já tinham passado. Móretar seguiu. Ao passarem por aquela entrada, uma espécie de porta automática de onde não vinha luz do outro lado, saíram num deserto. Atrás deles não havia mais porta nenhuma, não tinha casa, não tinha mais ninguém. — Isso não é bem um teletransporte, mas uma ilusão. Nesse mundo, nós 12 aprendemos a controlar facilmente a matéria, conseguimos fazer algo parecer uma coisa ou outra. Manipulamos os elementos, a luz, o ar, o que quer que seja. Temos alguma dificuldade de manipular seres vivos e não conseguimos definitivamente afetar fisicamente uns aos outros aqui. Mas a imagem real desse lugar é esse deserto que você está vendo. O planeta todo! Areia, areia e mais areia. Calor, calor e mais calor. Sol por todos os lados. De forma natural, não existe noite. Apesar de nós podermos criar uma barreira para a luz no que é a estratosfera daqui, apontando para o céu.
Nesse instante, Vaes apontou para cima, moveu o dedo indicador no sentido horário, e uma escuridão foi se formando, como um eclipse, até que o breu tomasse conta. Depois fez o movimento contrário e a luz voltou, vinda dos céus. Ainda assim não era possível, naquele momento, ver qualquer Sol ou origem da luz.
— Esse planeta está no centro de 4 estrelas, grandes e brilhantes como Sóis. O campo gravitacional entre elas sempre se mantém inalterado, assim como o do planeta, de forma que, como em nenhum outro planeta em que já estivemos, não há movimento de um corpo celeste em relação a outro. Não existe translação, nem rotação. Apesar do conjunto desse sistema composto por 4 estrelas e um planeta se movimentar no espaço, como se fosse um corpo único. Nós estamos no ponto mais distante do centro do Universo, pelo menos no ponto que já conseguimos chegar. — Vaes parece ter uma ideia nesse momento, seus olhos meio que se acenderam, assim como o seu semblante se iluminou. — Sabe de uma coisa? Não podemos nos teletransportar, mas ninguém falou nada a respeito de voar em alta velocidade.
— E você consegue fazer isso? — Móretar perguntou, desconfiado.
— Eu sou um excelente manipulador do ar, na verdade de qualquer elemento no estado gasoso. Esse planeta tem como base o ar dos planetas que iniciam vidas: o oxigênio, que mantém a maioria dos corpos orgânicos em funcionamento. Esse também é o padrão dos planetas de manipuladores do ar. Apesar de nossos corpos aqui não dependerem desse oxigênio, o seu provavelmente depende, afinal você ainda não morreu. Nós chegaremos na estratosfera e faremos o teste. Seria mais fácil tentar prender a respiração, eu sei, mas assim você também pode admirar a vista. — Vaes parecia até um pouco sádico enquanto falava.
— Não me parece uma boa ideia — respondeu Móretar. — Mas eu sempre acreditei que as maiores conquistas nunca vieram de boas ideias — completou. — Vamos lá!
— Isso não faz o menor sentido, mas tudo bem! — Vaes dizendo isso, move suas mãos e como se começasse a ventar, faz os dois saírem levemente do chão, para que, em seguida, disparassem como dois foguetes para cima.
Aos poucos, as nuvens cobriam os dois e em seguida eles as ultrapassam, até o momento em que pareciam perto de entrar em órbita e ali param.
— Fiz com que o ar nos amortecesse antes dele não mais estar presente, para que nossos corpos não continuassem em movimento pro espaço — Móretar ouvia a voz de Vaes em sua mente, sua boca não se mexia. Ele não conseguia respirar mais. Fadas tinham um sistema respiratório com reservatório de ar, portanto seu corpo continuava em funcionamento por mais algum tempo, antes que seu cérebro pedisse desesperadamente por oxigênio. Ele teve tempo de admirar aquela imagem única, vendo o planeta laranja, gigantesco do espaço, iluminado naquele instante por duas estrelas cuja posição e encontro de luzes causavam o efeito de várias cores brilhantes espalhadas pela imensidão do vácuo.
Móretar aos poucos começou a se asfixiar. Vaes o segurava pela mão, agora.
— Não se preocupe, consigo medir seus sinais vitais, consigo analisar tudo que está acontecendo dentro do seu corpo. Pelo comportamento dele, nessas condições que estamos, posso perceber que ele não sofreu alteração nenhuma. Você ainda está mesmo na sua primeira vida, habitando seu primeiro corpo orgânico. — Vaes explicava telepaticamente a situação para Móretar, que só pensava, de forma irônica, que ainda bem que ele podia perceber que ainda continuava vivo.
Em seguida, o cavaleiro abriu a outra mão, que mantivera fechada esse tempo todo. Havia ar dentro dela e com essa pequena quantidade de ar, conseguiu impulsionar seus corpos para baixo, suavemente, de volta para atmosfera do planeta, cuja gravidade em pouco tempo passou a agir novamente.
Ambos entraram em queda livre, uma sensação que Móretar nunca teve. Vaes abriu os braços, com o corpo na horizontal em relação ao solo e Móretar fez o mesmo. Por alguns instantes parecia que nada mais existia. Eles viram dali ao longe, uma floresta sendo erguida, árvores se formando do nada. Vaes passou a mover as mãos para controlar o ar e diminuir gradativamente a velocidade da queda deles, até que tocaram o chão novamente.
— Existe uma partícula de nós que faz sermos quem somos. Quando se desenvolve, um Corpo Orgânico Natural, num determinado momento, ele cria essa partícula no cérebro, com uma quantidade de energia armazenada incrível. Essa energia, até onde sabemos, nunca desaparece. Quando o corpo morre e o cérebro desliga, essa partícula se teletransporta para um outro planeta e materializa um novo corpo, baseado nas suas memórias e no seu desenvolvimento em relação ao novo mundo a qual ela acaba de se tornar parte. Muitos, inclusive alguns de nós, acreditam que exista um controlador desse sistema, mesmo que seja algo como um gestor logarítmico, que esteja por trás da criação, continuidade e evolução da vida. Mesmo nós, daqui, nunca solucionamos esse segredo da vida, pelo menos não ainda — Vaes contava essa história para um Móretar embasbacado, já com sua reserva de ar recuperada mas ainda atordoado por tudo que tinha acontecido.
— Existe uma profecia, conhecida por todos os 12, de lendas de algum mundo por onde passamos, que contava que um dia, um garoto surgiria diante dos anciãos imortais para salvar o universo de um grande mal, imensurável e que ele seria responsável pela aparição e intervenção de Deus — A palavra Deus não era muito do agrado de Móretar. Ele tinha alguns traumas relacionados a fé de seu povo.
— Aqui, acabamos nos considerando esses anciãos e buscamos respostas por todo o Universo. Mas, após um tempo, passamos a acreditar que isso era uma ilusão. Até que o garoto apareceu, aquele garoto que você viu com Hagar. Ele morreu pela primeira vez e inexplicavelmente surgiu nesse planeta. Ninguém morre e vai direto para um planeta de nível 3, muito menos pro único planeta de nível 5. Se algo assim acontecesse, sob qualquer sinal da profecia, o guardião do espaço-tempo convocaria sem aviso todos os outros 11, com um portal. Como a passagem de tempo é relativa, qualquer segundo é precioso nessas circunstâncias. Foi nesse portal que você entrou.
— Agarrado em Krakor… — Assimilou Móretar.
— Agarrado em alguém que não deveria estar em contato com outro ser vivo, naquele momento, sendo visto… Mas Krakor sempre foi nosso maior rebelde do grupo. Em um determinado momento, crendo que não encontraria nenhum Deus, decidiu ele mesmo ser Deus. Após se apaixonar, criou um próprio mundo e quis produzir descendentes. Ele sempre esteve muito ligado ao seu mundo, mesmo depois dele ter ido para caminhos que não imaginava. Mas essa é uma história para ele te contar, se ele quiser — explanou, Vaes, olhando para o horizonte, onde árvores ao longe continuavam surgindo.
— Aparentemente um pequeno trecho que lembra seu planeta já foi criado aqui no nosso. Acho que já podemos ir até lá. — Vaes novamente utilizou do ar para que fossem carregados em direção daquela nova floresta que foi criada no meio do deserto.
— Uma coisa você precisa saber pra começar. Você deve ter ouvido Hagar falar de água, fogo e vento. São os 3 tipos de base de planeta de nível 2. Em sua primeira morte, normalmente as pessoas vão para planetas que estão começando a descobrir como manipular esses elementos básicos e cada planeta desse nível tem como base um desses elementos. Somente a partir do nível 4, os seres podem conseguir aprender a manipular os 3 elementos ao mesmo tempo. — Vaes novamente falava telepaticamente com Móretar enquanto voavam. — Qual dos 3 desses elementos passa primeiro pela sua cabeça?
Um rápido pensamento de Móretar fez ele imaginar aquilo que estava mais próximo dele, dentre os elementos, o ar, que empurrava seu corpo.
— Interessante esse seu pensamento, será que você realmente pensou nisso ou foi influenciado a pensar? Sua dúvida é válida! Mas será que o contrário também não poderia acontecer, de, por conta da influência de algo, você justamente pensar num elemento que fugisse dessa influência? Bom, o que importa é que o vento foi o seu escolhido — disse Vaes, que claramente não demonstrava menor constrangimento por estar dentro da cabeça de Móretar, o que, para este, era um grande absurdo — Irônico não haver privacidade nem nos pensamentos, num dos maiores planetas do Universo, onde só existem no momento 14 pessoas, não é mesmo? Mas você deveria estar se perguntando por que eu disse vento e não ar. E mesmo, sem você perguntar, vou explicar! O vento é o movimento de matéria no estado gasoso. Um manipulador do vento pode inclusive manipular a água, se ela não estiver em estado sólido ou líquido. Parece interessante, não é mesmo? Um manipulador de água não consegue manipular outros líquidos que não contenham duas moléculas de hidrogênio e uma de oxigênio misturadas e um manipulador de fogo não consegue, normalmente, queimar algo sem que exista oxigênio, mas um manipulador do vento, não precisa necessariamente de um elemento químico específico, apesar de ser extremamente raro encontrar algo no estado gasoso que não tenha um pouco de oxigênio ou de carbono envolvido.
Móretar se perdia com as informações. Ele não conseguia assimilar tão rapidamente tanta coisa, apesar da curiosidade. E, também, quanto mais se aproximava da floresta que surgiu do nada, mais os detalhes iam saltando à sua vista. Era impressionante que literalmente do zero, um deserto se transformava numa riquíssima flora, a partir de uma determinada linha reta. Quando entraram no campo, por cima das árvores e se aprofundaram pelo ar, até mesmo a coloração do céu mudava. Nuvens que não existiam, surgiam.
De repente, sobre um pequeno clarão na floresta, um espaço aberto, um círculo enorme tão perfeito, até mesmo para uma criação de alguém além da natureza, os dois desceram num movimento suave, tocando o solo.
Esperava por eles, uma mulher que Móretar ainda não tinha visto. De beleza incrível, parecia muito com as fadas, mas era mais alta que a maioria. Cabelos loiros muito compridos, mas mais magra que o padrão das fadas, porém com curvas bem definidas. Vestia uma armadura como os 12, mas era diferente. Lembrava mais uma couraça, uma pele de algum animal, de algum felino de cor preta e repleta de detalhes, que se confundiam entre adereços estéticos ou proteções. Acima dos joelhos um babado que fazia parecer uma saia, mas que parecia rígida.
Andando calmamente até os dois, quase que numa tentativa de sedução, com um movimento delicado de todo o corpo, a mulher se aproximou e trocou olhares com Vaes e em seguida mirou Móretar, que estranhamente desviava o olhar. Por algum motivo ele sentia algum tipo de timidez, não conseguia olhar pra ela por muito tempo. Pairou em sua cabeça a dúvida. Quem era ela? Vaes acabara de dizer que só havia 14 pessoas naquele planeta...
— Se só existem 14 pessoas nesse planeta, tente pensar quem pode ser ela… — respondeu Vaes, lendo os pensamentos de Móretar novamente.
— Vaes, devia se envergonhar de demonstrar tão abertamente a invasão aos pensamentos de alguém — disse, a mulher, cuja voz, agora, vinha à cabeça de Móretar como reconhecível. Era de alguma das pertencentes do grupo, mas não se lembrava quem.
— Ora, Dafa, então o problema é eu demonstrar que estou lendo os pensamentos e não o fato de efetivamente o fazer? A chamada hipocrisia, não é mesmo? — Respondia, Vaes, que entregava se tratar mesmo de uma pertencente dos 12, com a aparência modificada e trajando uma armadura bem diferente.
— Seu estranhamento é normal. Somos os únicos que podem utilizar conscientemente uma renovação molecular. Mas ela depende de um outro ser específico. Dissemos que éramos nós 12 os únicos seres neste planeta, até então, o que poderia ser a verdade, mas não a verdade completa. Exceto por Zeus, que manteve sua simbiose no planeta onde estava, todos os outros 11 carregam em si seus 11 companheiros simbióticos, diferentes espécies interplanetárias que, como nós, também são seres pensantes que morrem e evoluem. Cada um tem o seu e, apesar de não ser uma regra e não se saber o motivo, normalmente a dupla se faz entre alguém com características humanoides, seres bípedes, com grande grau de transmissão de conhecimento, de manipulação da natureza, com alguém animalesco, com características mais simples de desenvolvimento. Esses últimos, seres incríveis, com um grau de evolução se encasulam após alguma morte, até serem encontrados por seus pares. Ainda não sabemos se existe algum tipo de magnetismo para que, após suas mortes, acabem no mesmo planeta, ou se existiria a possibilidade de compatibilidade com diferentes seres. A segunda opção parece a mais plausível, mas não pode ser comprovada, pois nunca ninguém que se uniu com alguém, conseguiu mudar essa união com outro ser. O que parece uma armadura, é justamente um outro ser, que não muda só a aparência, mas também une experiências, pensamentos, desejos…
— Quer dizer que vocês estão unidos com animais? — Moretár tentou entender, era algo do qual já havia ouvido também em lendas, mas eram mais coisas que não acreditava.
— Vou mostrar pra você! Fica mais fácil do que explicar! — O que parecia ser a armadura de Dafa começou a derreter, escorrendo pelas suas pernas como algo que parecia quase líquido ou uma gosma, foi desnudando-a e essa gosma foi criando forma, se transformando num animal, um felino grande, que não era familiar a Móretar, apesar de existirem tigres em seu planeta, aquele animal se assemelhava a uma pantera. O animal ficou parado ao lado de Dafa, que estava ali, nua, de aparência absolutamente incrível para os olhos dele, banhada pela luz de um luar, num raro momento de noite que acabara de ser criado no Éden.
— Você precisava mesmo estar nua? — Questionou, Vaes, claramente desconfortável com a situação.
— Eu só utilizo Tenore comigo, sem roupa, ele detesta qualquer coisa que cubra sua pele e eu não gosto de deixar nenhum tipo de material por baixo de sua pele, camuflado. Gosto de sentir o contato da pele dele direto na minha... — Dafa ao falar isso foi se aproximando de Móretar e olhando para ele, como se realmente pretendesse seduzi-lo. — Mas confesso que estava curiosa em saber como seria a reação de um homem a mim, um homem em sua primeira vida, repleto de... seus ímpetos primitivos — essas últimas palavras, ela sussurrou no ouvido de Móretar, que estava completamente imóvel, atônito com a atitude de Dafa. Ela era realmente muito atraente, seu cheiro parecia penetrar em sua mente. Não era como um perfume, mas era embriagante. O desejo de Móretar era de agarrar Dafa, ali mesmo e passava tudo pela sua cabeça, vontades, lembranças, expectativas, medos.
— Em todo o Universo, pelo menos do que conhecemos até aqui, apenas nós 12 temos o poder de transformar nossa aparência para qualquer uma das vidas que já tivemos. A minha aparência que você presenciou antes é a natural que tive nesse planeta. Normalmente nosso visual materializado é baseado no nosso grau de desenvolvimento. Quanto maior a nossa experiência em relação ao mundo que habitamos, mais próximo de uma aparência de velhice corpórea nós temos. — Dafa completou a explicação de Vaes. — Essa aparência, eu tive na minha terceira vida, uma das minhas preferidas. Foi em Finiti, um planeta de vento, onde eu encontrei, meu complemento aqui, essa linda panter.
Móretar estava completamente encantado por Dafa, não só pela sua imagem, que ele acabara de constatar que era mutável, mas pela sua atitude, pelo seu jeito, pela sua forma de se expressar e evidentemente pelo interesse dela nele próprio, mesmo que pudesse ser momentâneo e casual. Ainda não sabia, mas estava decidido a embarcar de cabeça no risco que podia correr ao cair naquela tentação.
Capítulo 4
O Treinamento
Móretar acorda sobressaltado no susto. Precisa ser seguro por Zeus. Estão todos ali novamente reunidos: os treze ao seu redor. Dois dos que o literalmente atacaram estavam nos cantos, num processo que parecia ser o de recuperação de energia. Duas das componentes do grupo, que Móretar ainda não estava familiarizado com os nomes estendiam as mãos por sobre Juper e Dafa e uma espécie de brilho os irradiava.
— É, meu caro, foi um bom início, realmente. Parabéns! — Dizia, o velho Hagar se dirigindo para Móretar. — O estrago que essa equipe fez em você naquela floresta foi bastante considerável.
— Bom, na verdade eu gastei mais energia retendo poder de fogo e construindo aquele lugar do que atacando, mas tudo bem, qualquer um no seu lugar, no seu nível, ou até mesmo superior, precisaria ter sido salvo antes do fim. Não foi seu caso. — Dessa vez quem falava com uma voz grossa e firme era Juper. A manipulação do fogo de Juper era algo que de longe era a mais incrível dentre eles. Juper conseguia transformar uma grande quantidade de elementos em gases comburentes. Era capaz ainda de criar elementos combustíveis, os mais variados, nas mais diversas formas de estado da matéria. Resumindo, era uma das poucas pessoas no Universo que podia fazer fogo em praticamente qualquer situação. O tamanho do incêndio que ele podia causar sozinho e rapidamente, também era desproporcional. Tudo isso era contado por Hagar para o garoto que havia saído com ele, especialmente, mas que podia ser ouvido por todos, claro. Moretar descobriu naquela conversa que o nome do rapaz era André.
— Acredito que mais um tempo de descanso e você poderá fazer a segunda parte do aprendizado e finalmente voltar pro seu planeta — disse, Zeus.
— Alguns dias? Não! Nós vamos voltar pra lá agora! — Móretar levantava num salto de onde estava e mais uma vez seguia sem saber muito bem pra onde, dentro daquela moderna e futurista cabana de luxo que não tem saída.
— Vamos logo! Ou vocês precisam descansar mais? — Provocava, o rapaz.
— Mas que garoto mais desaforado! — Disse, Krakor, lá do outro canto, parecendo um avô reconhecendo-se em um neto, com indignação. A maioria riu da situação e Hagar deu o sinal para a saída.
Num piscar de olhos, estavam novamente na floresta, intacta, nem parecia que tinha acontecido algo antes.
— Como aparecemos já aqui? — Questionou, o surpreso Móretar.
— Estávamos o tempo todo aqui. Eu apenas desfiz a construção da minha tenda de emergência — respondeu, Hagar.
— Durante seu sono já reparamos os danos do seu último embate. — Vaes dizia aquilo como se todo o caos fosse apenas um pequeno lixo e uns arranhões. — E agora precisamos focar no que você conseguiu fazer: unir a manipulação de todos os elementos de uma única vez. Mesmo que breve, como você fez, mas agora sem ser para se proteger.
A situação era diferente agora. Estava debaixo de três Sóis escaldantes, a sensação incrível de calor, no meio da floresta, cercado pelos 13 que o encaravam, esperando que ele simplesmente fizesse algo que não fazia ideia do que era.
— Achei que você era o sabe-tudo, aquele que ia direto ao ponto. — provocou, Krakor.
— Bem parecido com alguém que conhecemos, não é mesmo? — Respondeu, Vaes
Móretar olhando para Krakor agora percebeu um pequeno brilho em volta dele, como uma aura, hora aparecia, hora sumia.
— É a indicação da sua herança sanguínea, esse brilho. Quando olhamos para alguém que tem origem muito próxima de nós, nossos antepassados de primeira vida ou aqueles que tiveram a mesma origem, vemos esse brilho, mesmo depois de centenas de mortes, esse laço não se perde. Quanto mais próximo é o vínculo, mais brilhante ele pode se mostrar por um tempo. Os descendentes de Krakor não são naturais, tiveram sua origem modificada na natureza e por isso o brilho é dessa forma que você notou, uma leve aura. — Hagar explicava e a cada nova informação sobre essa estranheza da morte que Móretar recebia era como um mundo completamente novo para seu entendimento. Ele não assimilava muito bem aquilo tudo.
— Pois bem, — Interrompeu, Vaes, voltando ao assunto, aos moldes de um professor mesmo, que não queria ser interrompido — você precisa unir a manipulação do vento, da água, do fogo, da eletricidade em algum material, que pode ser o próprio ar, mas se for algo no estado sólido, a chance de ser mais fácil é maior, para conseguir focar essa energia toda e produzir uma marca. Normalmente isso causa uma transmutação de um elemento, você muda a matéria. Esse poder é muito raro e pessoas em níveis mais baixos só conseguem fazer em uma minima escala, normalmente um pouco mais que microscópica. Mas suficiente para conseguirmos notar e saber onde foi em qualquer lugar do universo no qual já estivemos.
Móretar nunca havia feito feitiços em seu mundo que não fosse com água e ar. Até então, nem sabia que era possível manipular esses elementos sem ser fazendo feitiços. A primeira vez que "desligou" todos aqueles elementos tinha sido ali, pra salvar sua própria vida. Como iria criá-los assim?
— Trouxemos alguns materiais. — A voz que falava com ele, ainda não tinha falado muito ainda, Móretar acreditava ser Nerfate, pelas indicações de funções que Hagar havia dado anteriormente. Ela apresentava alguns objetos e Móretar conhecia alguns e outros não. — Aqui tem alguns tipos de coisas feitas de madeiras, algumas familiares a você, de árvores comuns de Key, outras já nem tanto, mais rígidas ou mais macias, de planetas de água ou planetas de fogo. Trouxe alguns metais também que você pode encontrar em algum planeta, quando vier a morrer, um vaso feito com carbono e uma joia de Montra. Essa última você conhece, bem comum aos Mundos dos Elfos, sabemos que existe em abundância em key. Seu trabalho será se concentrar e usar os elementos para transforma-los. Não irá conseguir mudar suas estruturas completamente, mas nossa expectativa é que consiga algo pequeno e que isso se transforme em luz. Essa é a primeira etapa para desenvolver um poder de transmutar elementos químicos. Você pode criar fogo com as madeiras, pode usar a água que criamos nesse pequeno riacho a nossa volta e manejar sua temperatura para baixo para congelar ou para criar vapor. A eletricidade, um pouco mais complexa, precisa sair das cargas do seu próprio corpo, pode usar os metais para aplicar a potência. E o ar, vai ter que ir além de simplesmente controlar, mas entender a composição dos elementos gasosos, a sua volta, podendo separar suas moléculas. Você vai precisar controlar os elementos ao mesmo tempo para que sua energia seja balanceada o suficiente para essa ação. Pode transmutar um dos objetos em luz, pequenos pedaços de todos juntos ou o próprio ar, não importa. Você deve tentar da forma que sentir que terá sucesso. Boa sorte!
Móretar decidiu se esforçar. Acreditava que era capaz. Começou a manipular a água, até ali não era grande novidade para ele. Ergueu uma grande quantidade de seu curso. Do outro lado, usando muita concentração conseguiu movimentar o ar. Conseguiu tirar aquela linda joia brilhante feita de montra do lugar, ela se ergueu pelo ar. Todos olhavam atentamente o que ele fazia. A água vinha lentamente na direção do objeto. Para alguém de seu nível, tal ação era algo já incrível. Alguns faziam expressão de satisfatoriamente surpresos outros de desapontados. Hagar balançava as mãos como se fosse ele controlando aquilo tudo. Aparentemente, Móretar iria tentar desencadear os outros elementos. Ele fechou seus olhos, chegou a prender a respiração. Sentiu que tinha quase perdido os sentidos quando passou pela outra situação de confronto. Resolveu agir no mesmo extremo. Sentiu que ia perder o controle e levantou os braços. Aquilo fez sua mente sentir como se seu corpo segurasse a água e o ar. Se concentrou na madeira e quando uma leve fumaça começou a sair de uma peça de madeira, ele não suportou e caiu de joelhos, derrubando a joia e espalhando água para todo canto, espirrando nos expectadores.
— Pessoal, acho que precisaremos dar tempo e espaço para ele. — Disse, Hagar, dando de costas e seguindo ao estilo de Móretar, sem se saber muito bem pra onde.
— Engraçado o guardião do espaço-tempo querer dar espaço e tempo para ele. — Disse, Zeon, rindo, sem que mais ninguém fizesse o mesmo, o deixando meio sem graça. — Vocês não tem sendo de humor mesmo, né?
— Que tal, enquanto isso, decidirmos o que fazer com o garoto da profecia? — Sugeriu, Juper.
— Ótima ideia, Juper, ótima ideia, era exatamente isso que pensava aqui comigo. — Hagar respondeu já criando uma nova estrutura de habitação, deixando apenas Móretar, Vaes e Dafa do lado de fora.
— Sim, seremos nós dois que ficaremos aqui te monitorando. Fique tranquilo e não tenha pressa. — Disse, Vaes.
— Um pouquinho de pressa talvez seja bom — brincou, Dafa, no seu estilo próprio que Móretar já tinha compreendido.
Parece que as tentativas seriam ainda bem longas.
Saga
Universo em Órbita
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