Revelação
Ela estava decidida. Finalmente encontrou um homem que valia a pena se produzir e correr atrás. Faria com que aquela sexta-feira fosse tudo, menos normal.
Jogou-se em frente ao espelho e observou seus traços. Era mulher feita, mas seu rosto manifestava muita inocência. Como poderia mudar aquilo?
O lápis preto escureceu o entorno dos olhos, e quando viu o resultado a barriga gelou. Aquilo finalmente estava acontecendo.
Agora os cabelos. Deixava-os soltos? Não. Poderia atrapalhar em algum momento mais… Agitado. Prendia em um coque? Pouco prático. Quem sabe uma trança… Não demoraria pra fazer, nem pra desfazer. Um sorriso se manifestou no canto da boca. Estava animada. Será que era certo se sentir assim? Talvez ele não aparecesse àquela noite, quem sabe não acontecesse nada.
Afastou os pensamentos e continuou se arrumando.
Vestiu uma blusa e por cima um casaco de couro que a protegeria do vento frio. Colocou as calças e as botas do mesmo material. Seria muito couro? Seria muito justo? Olhou-se no espelho jurando para si mesma que pensaria em outra roupa para as próximas noites, sem se privar de imaginar que deixaria aquele homem de cara no chão.
Estava saindo de casa apressada, quase esquecendo o último detalhe que precisaria para ocasião. Uma máscara. Tapava metade do seu rosto. Esperava mesmo que não fosse reconhecida e causasse uma grande surpresa.
Chegou o momento, estava próxima do local onde ele estaria. Se passasse pelo beco escuro chegaria lá mais rápido, mas era um tanto perigoso. Valia a pena o risco.
Nos primeiros passos dentro do beco avistou um vulto entrando do outro lado. Jogou-se atrás de um contêiner de lixo, torcendo que não tivesse sido vista. Deu uma espiadela e se admirou do que viu. Lá estava ele, o homem que estava indo encontrar.
Quase se jogou em cima dele, mas ele parou no meio do caminho. O que estava tramando?
Ela ouviu um som bastante característico, passos de salto alto vindo da mesma direção que ele veio. Será que ele seria capaz de fazer aquilo de novo? Quando a estranha se aproximou, ele a agarrou pela cintura e prensou-a contra a parede. Tapou-lhe a boca antes que pudesse gritar pelo susto.
Agora tinha certeza, ele não era mais um suspeito. Mais uma noite de sexta, mais uma mulher sendo atacada, aquele era exatamente o homem que ela procurava.
A vítima, apavorada, já chorava, quando notou uma sombra se jogar nas costas de seu agressor. Duas cotoveladas na cabeça o fizeram soltar a mulher e se jogar para trás tentando bater a heroína no prédio a suas costas. Ela caiu de cima dele e o homem se virou para encarar a mulher mascarada que o atacara.
— Acabou suas noites de farra — disse a heroína.
— Pelo contrário, duas pelo preço de uma. Adoro uma promoção.
Ele a atacou só para levar um soco na cara mais forte do que esperava. Tirou um canivete do bolso que expôs sua lâmina num estalo metálico. Investiu um golpe na direção dela, que, em um movimento rápido, torceu seu pulso o fazendo soltar a arma.
Livrou-se da mulher dando um tapa na lâmina, jogando-a longe. Agarrou-a em um abraço de urso de forma que ela mal respirava. A heroína olhou para a mulher atacada, que estava paralisada no chão de medo, olhando a ação.
— Corre, desgraça! — disse entre os dentes, com esforço. — Chama a polícia!
A vítima fugiu. A heroína jogou a cabeça para trás. Parecia estar tudo perdido, no entanto deu uma cabeçada no agressor, quebrando seu nariz e afrouxando seus dentes da frente. Deu certo, ele a soltou. Enquanto ele tentava se manter de pé, tonto pelo golpe, ela o deixou de joelhos depois de acertar-lhe o meio das pernas.
— Quem é você, afinal? — perguntou ele gemendo de dor, num chiado estranho pelos dentes frouxos e cheios de sangue.
Ela não havia pensado em um nome heróico. A única palavra que lembrou era a característica de sua avó que seu pai sempre destacava.
— Me chame de Austera! — provavelmente teria que pensar em um nome melhor.
Antes que ele pudesse se recuperar, deu-lhe um chute na cabeça, fazendo o homem desmaiar batendo o rosto no calçamento.
Amarrou as mãos dele com cintas plásticas em um poste que estava perto, e sumiu na noite escura, iluminada somente pela luz azul e vermelha da polícia que se aproximava.
Mnêmico